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Direito Constitucional como alma mater da gestão empresarial  

Ao longo do tempo, a evolução do mercado corporativo tem moldado de formas diferentes o posicionamento dos operadores do Direito dentro das empresas. Superada uma grande fase inicial em que os advogados eram chamados quando um problema grave já estava instaurado e a necessidade de agir ou se defender era imediata, cada vez mais ganham destaque os movimentos jurídicos cujo enfoque é a prevenção. Nesse cenário, institutos como governança comparativa e compliance ganharam a atenção dos empresários e despertaram a especialidade de profissionais jurídicos, sempre no âmbito do Direito Empresarial. E, com esse viés, advogados especializados em áreas mais tradicionais acabaram se distanciando do universo empresarial, o que, inevitavelmente, acabou por esvaziar as bancas especializadas no nicho corporativo, tendo gerado defesas e procedimentos deficitários.

Nunca é tarde destacar que o atual Código Civil, de 2002, trouxe para si todo o regramento empresarial, revogando o antigo Código Comercial no que diz respeito à empresa. Esse fenômeno, inegavelmente, trouxe à tona um fenômeno crescente de publicização do Direito Civil, o que afeta substancialmente a forma como a empresa é compreendida no contexto do Estado. Nesse momento, as frentes mais tradicionais do Direito iniciam um necessário regresso ao panorama empresarial. Por isso, como estudioso e professor de Direito Constitucional, entendo como prioritário destacar como esse ramo do estudo jurídico é estratégico para o bom desenvolvimento da empresa.

O Direito Constitucional, por ser o ramo do direito que estabelece os fundamentos da organização do Estado e os direitos e garantias fundamentais, transcende os âmbitos político e jurídico tradicionais. Sua influência direta no cotidiano das empresas e no desenvolvimento econômico é notável, moldando as relações entre o setor privado, o público e a sociedade como um todo. Este artigo explora a relevância do Direito Constitucional como pilar para a segurança jurídica, liberdade econômica e criação de um ambiente propício para o crescimento empresarial.

A segurança jurídica é um dos pilares fundamentais para o funcionamento das empresas. Prevista implicitamente no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal de 1988, a proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada confere previsibilidade às relações jurídicas. Essa previsibilidade é essencial para as empresas ao planejar investimentos, estratégias de mercado e contratações.
Segundo José Afonso da Silva, “a segurança jurídica significa a garantia dada ao cidadão de que as normas que regulam a sociedade serão aplicadas de maneira clara e estável, permitindo que as relações sociais sejam previsíveis”. No ambiente empresarial, essa estabilidade assegura confiança para que empreendedores possam investir sem temor de mudanças abruptas nas regras do jogo.

Além disso, o artigo 37 da Constituição estabelece os princípios da administração pública, como a legalidade e a eficiência, que garantem que o Estado respeitará as normas ao interagir com as empresas, assegurando um ambiente regulatório mais estável. Afinal, a empresa já se encontra protegida desde os primeiros artigos da Magna Carta, sobretudo no que diz respeito ao reconhecimento da livre iniciativa.

O artigo 1º, IV, da Constituição, ao prever e proteger os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, demonstra que o Estado brasileiro está comprometido com o equilíbrio entre a proteção social e o fomento à atividade empresarial. Esse equilíbrio é fundamental para que as empresas possam operar em um ambiente salutar e seguro.

O direito à livre iniciativa, consagrado no artigo 170, constitui o alicerce para a liberdade econômica. Contudo, essa liberdade não é absoluta, devendo ser exercida em conformidade com outros princípios constitucionais, como a função social da propriedade e a defesa do consumidor. O Estado regula o mercado para evitar abusos, garantindo, ao mesmo tempo, a concorrência leal e a proteção dos mais vulneráveis.

Luís Roberto Barroso destaca que a interação entre os direitos fundamentais e o setor empresarial ocorre de maneira bidirecional. Empresas devem respeitar direitos como a dignidade da pessoa humana e a igualdade, enquanto o Estado deve assegurar às empresas condições adequadas para operar e prosperar. Assim, é possível inferir que o Estado deve assegurar um ambiente adequado ao empresário e à empresa, sobretudo para locupletar a premissa de desenvolvimento econômico.

A Constituição Federal, em seu artigo 174, atribui ao Estado o papel de agente normativo e regulador da atividade econômica, intervindo apenas quando necessário para corrigir distorções de mercado e promover o desenvolvimento equilibrado. Essa diretriz permite que o setor privado atue como motor da economia, enquanto o Estado fornece os instrumentos normativos para garantir um ambiente competitivo e inclusivo.

Ademais, o artigo 219 reforça o papel estratégico do desenvolvimento econômico como objetivo da Constituição, vinculando-o à redução das desigualdades regionais e à promoção do bem-estar geral. O empresariado, como agente de geração de empregos e inovação, é diretamente beneficiado por políticas públicas que buscam implementar esses objetivos.

Autores como Eros Roberto Grau afirmam que a Constituição não é neutra em relação à economia; pelo contrário, orienta a atuação dos agentes econômicos e promove a inclusão social. Em seu livro A Ordem Econômica na Constituição de 1988, Grau argumenta que a ordem econômica constitucional deve ser entendida como uma estrutura normativa que condiciona a atividade econômica às diretrizes de justiça social e sustentabilidade. Dessa forma, a empresa deve ser vista como um elemento de propulsão socioeconômica e não apenas um instrumento de enriquecimento e concentração de poder. Ao contrário, quando a Magna Carta reconhece a função social da empresa, o Estado enxerga no universo corporativo a importância dessa via dentro de um sistema capitalista, tendo nas empresas um grande acervo aliado nos objetivos republicanos e não o contrário. Assim, é dever estatal proteger a empresa, assim como propiciar segurança jurídica para que a mesma possa desempenhar adequadamente suas operações.

A proteção ao direito contratual, por exemplo, derivada do artigo 5º, incisos II e XXXVI, confere às empresas segurança para formalizar acordos comerciais e prever as consequências jurídicas em caso de inadimplemento. Essa previsibilidade incentiva o fluxo de capitais, fomenta o crédito e permite uma gestão de riscos mais eficiente. Por outro lado, o artigo 173, §4º, protege o mercado contra práticas abusivas, como o abuso de poder econômico e o cartel. Essa regulação é essencial para evitar distorções que poderiam prejudicar tanto os consumidores quanto as empresas menores.

Dentre diversos outros temas a serem discutidos no âmbito do Direito Constitucional analisado sob o prisma da empresa, impossível não mencionar a roupagem desses direitos em plena era digital. Na contemporaneidade, novas questões surgem no âmbito empresarial devido aos avanços tecnológicos e à globalização. O artigo 5º, XII, da Constituição, que garante a inviolabilidade das comunicações, tem sido amplamente aplicado para proteger dados pessoais e a privacidade de consumidores e empresas.

Com a promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a proteção da privacidade digital ganhou destaque como um novo parâmetro para as operações empresariais. Isso reforça o papel do Direito Constitucional como balizador da atividade econômica em contextos modernos e dinâmicos.

O Direito Constitucional não é apenas uma ferramenta para regular as relações de poder entre o Estado e os cidadãos; ele desempenha um papel fundamental no fortalecimento do ambiente empresarial. Garantindo segurança jurídica, liberdade econômica e equilíbrio social, a Constituição promove o desenvolvimento sustentável das empresas e da economia nacional.

Para as empresas, compreender e respeitar os princípios constitucionais é um diferencial competitivo, pois permite operar com transparência e integridade em um ambiente jurídico seguro e propício à inovação. Como afirmou Celso Antônio Bandeira de Mello, “a Constituição é a base sobre a qual toda a vida jurídica e social se estrutura, sendo ela que dita as condições para que a ordem econômica seja, ao mesmo tempo, livre e justa”.

Portanto, o Direito Constitucional não é apenas relevante para o cotidiano das empresas; ele é indispensável para seu sucesso e crescimento sustentável em um mercado cada vez mais competitivo e globalizado.

Vanessa Goulartt

A atriz e jornalista, atuou na novela da Rede Record. Participou das novelas Maria Esperança (2007), no SBT e Ti Ti Ti (2010), na Rede Globo, onde também esteve na minissérie Dercy de Verdade (2012). Apresenta o programa Dezpadronizada na Rádio Vibe Mundial.
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