
A forma como consumimos filmes, séries, músicas e conteúdos nas redes sociais influencia diretamente a maneira como percebemos o que é um relacionamento “normal” ou “desejável”. Nos últimos anos, um tipo específico de relação tem ganhado espaço nessas narrativas: relacionamentos baseados em dinheiro, nos quais o afeto se mistura com benefícios financeiros, presentes caros e status. Muitas vezes, essa dinâmica é apresentada de forma glamourizada, como se fosse apenas uma escolha sofisticada de estilo de vida, sem mostrar os riscos emocionais, psicológicos e até de segurança envolvidos.
O papel da mídia na construção de fantasias
A mídia de entretenimento vive de histórias que chamam atenção, despertam curiosidade e alimentam fantasias. Em novelas, filmes e séries, é comum ver personagens que mudam de vida ao se envolver com alguém rico, poderoso e mais velho. A mensagem, mesmo que implícita, é sedutora: basta estar ao lado da pessoa “certa” para ter acesso a luxo, viagens e conforto.
Esse tipo de narrativa simplifica relacionamentos complexos e reduz o vínculo entre duas pessoas a uma transação: carinho e companhia em troca de dinheiro, presentes e status social. Quando o público consome esse conteúdo diariamente, sem senso crítico, começa a enxergar essa dinâmica como algo natural, aceitável ou até desejável.
Romantização do interesse financeiro
A romantização acontece quando uma situação problemática é retratada como algo belo, divertido ou inofensivo. Em muitos roteiros, o foco está no glamour: restaurantes caros, roupas de grife, viagens internacionais, fotos “perfeitas” nas redes sociais. O conflito emocional, a dependência, a perda de autonomia e os possíveis abusos ficam em segundo plano ou simplesmente não aparecem.
Isso é perigoso porque:
- Normaliza relações onde o dinheiro é o principal fator de conexão.
- Faz parecer que o valor de uma pessoa está ligado ao que ela possui ou pode oferecer financeiramente.
- Cria a ideia de que o amor verdadeiro é menos interessante do que o luxo e o conforto material.
Em vez de mostrar os desequilíbrios de poder, muitos conteúdos preferem reforçar a fantasia de que tudo se resolve com presentes caros e uma vida de aparências.
Redes sociais e a cultura da ostentação
Se antes esse tipo de narrativa estava restrito à televisão e ao cinema, hoje as redes sociais potencializam ainda mais essa romantização. Perfis que exibem uma vida de luxo, sem contexto, influenciam milhões de pessoas que observam apenas o resultado: carros, viagens, hotéis, bolsas, jantares exclusivos.
A lógica da ostentação cria uma pressão invisível: quem não tem esse estilo de vida começa a se sentir “para trás”, pobre, inadequado ou pouco desejado. Em meio a esse cenário, relacionamentos baseados em interesse financeiro são vistos quase como atalho para um padrão idealizado de sucesso e felicidade.
Junto a isso, surgem discursos aparentemente inocentes, que sugerem que é “inteligente” buscar alguém mais velho, bem-sucedido e disposto a bancar um estilo de vida luxuoso. Em muitos conteúdos, a expressão encontrar um sugar daddy é tratada como se fosse apenas uma decisão estratégica, sem aprofundar as consequências emocionais e éticas envolvidas.
Impactos emocionais e psicológicos
Por trás do brilho, existe um lado silencioso que raramente aparece nas telas. Relacionamentos fundamentados no dinheiro podem gerar:
- Dependência emocional e financeira: quando uma das partes passa a acreditar que não consegue viver sem o suporte material do outro.
- Desequilíbrio de poder: quem paga, muitas vezes, sente que tem direito de controlar decisões, rotinas, aparência e até escolhas pessoais.
- Baixa autoestima: a pessoa pode passar a se enxergar como “produto”, acreditando que só é valorizada pelo corpo, pela beleza ou pela juventude.
- Culpa e confusão: não é incomum sentir um misto de gratidão, desconforto, vergonha e medo de perder benefícios caso o relacionamento acabe.
Tudo isso tende a ser ignorado ou minimizado nas narrativas da mídia, que preferem focar no enredo mais fácil de vender: luxo e glamour.
Questões éticas e de poder
Relacionamentos baseados em dinheiro levantam discussões importantes sobre ética e poder. Quando existe uma grande diferença de idade, renda e experiência de vida, há também um desequilíbrio na capacidade de decisão. A parte com mais recursos geralmente define as regras, os limites e até o ritmo do relacionamento.
A mídia, ao romantizar esse tipo de vínculo, acaba passando uma mensagem perigosa: a de que é aceitável usar recursos financeiros para obter companhia, afeto ou intimidade, e que isso faz parte do “jogo” moderno dos relacionamentos. Pouco se discute sobre consentimento, pressão velada, vulnerabilidade econômica ou situações de abuso emocional travestidas de “acordo entre adultos”.
Como desenvolver um olhar mais crítico
Consumir entretenimento não é um problema. O desafio está em fazer isso de forma consciente, sem absorver tudo como verdade ou modelo de vida. Algumas atitudes ajudam a construir um olhar mais crítico:
- Questionar o que não aparece na história
Sempre que um relacionamento baseado em dinheiro é mostrado como perfeito, vale perguntar: quais conflitos ficaram de fora? Quais consequências emocionais não foram mostradas? - Perceber estereótipos
Personagens jovens e bonitos em busca de alguém rico; pessoas mais velhas em busca de companhia em troca de dinheiro. Esses rótulos reduzem indivíduos a caricaturas e reforçam visões superficiais sobre amor e valor pessoal. - Diferenciar fantasia de realidade
Filmes, séries e posts virais são construídos para entreter, gerar engajamento e audiência. Eles não refletem, necessariamente, a complexidade de relações reais, com contas para pagar, inseguranças, ciúmes, expectativas e frustrações. - Valorizar conversas honestas sobre dinheiro
Falar de dinheiro em um relacionamento é saudável. Problema não é discutir finanças, dividir contas ou planejar o futuro. O risco está em transformar o dinheiro no centro da relação, onde uma pessoa é vista principalmente como “protetor financeiro” e a outra como “companhia em troca de benefícios”.
Conclusão: romantizar não é inocente
Quando a mídia e o entretenimento romantizam relacionamentos baseados em dinheiro, não estão apenas contando histórias. Estão ajudando a moldar crenças, desejos e expectativas de toda uma geração. O problema não é a existência de acordos entre adultos, mas a falta de discussão sobre os impactos e a insistência em mostrar apenas o lado “bonito” da moeda.
Desenvolver um olhar crítico é fundamental para que cada pessoa possa fazer escolhas mais conscientes sobre a própria vida afetiva. Em vez de buscar modelos prontos, vendidos como atalho para status e conforto, vale refletir sobre o que realmente traz segurança emocional, respeito mútuo e bem-estar a longo prazo. No fim das contas, relacionamentos mais saudáveis tendem a ser aqueles em que as pessoas se escolhem pelo que são — e não apenas pelo que têm.









