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Alaíde Costa lança ‘E O Tempo Agora Quer Voar’, segundo álbum produzido por Emicida, Pupillo e Marcus Preto

Aos 88 anos e "no auge da carreira", cantora grava canções de Caetano Veloso, Marisa Monte, Nando Reis, Rubel, Carlinhos Brown e Rashid escritas especialmente para ela

O novo álbum de Alaíde Costa é um comentário a respeito do Tempo. Aquele deus que tudo cura. O que não espera, o que é implacável, o que traz as rugas e forma os calos. O mesmo deus que construiu, junto com a cantora e compositora carioca, década por década e canção por canção, uma carreira ativa de setenta anos – e contando. Mas que também decidiu que todas as glórias dessa árdua caminhada seriam dadas tardiamente à artista. Em dezembro, Alaíde Costa completa 89 anos de vida. E só agora, nos dois últimos anos, ela vive, como diz, “o auge da carreira”, “o melhor momento”, “o reconhecimento”.

É para dar continuidade a esse movimento que chega agora, em 19 de julho, E o Tempo Agora Quer Voar, segundo volume de uma trilogia iniciada em 2022 com o premiado O que meus Calos Dizem Sobre Mim. Tanto quanto no álbum anterior, o novo trabalho traz músicas criadas especialmente para a voz tão pessoal da cantora – desta vez, escritas por nomes como Caetano Veloso, Marisa Monte, Nando Reis, Rubel, Carlinhos Brown, Rashid e Ronaldo Bastos, entre outros. Produzido mais uma vez pelo trio Marcus Preto, Pupillo e Emicida, E o Tempo Agora Quer Voar conta também com a participação especial da cantora Claudette Soares, amiga de Alaíde Costa há mais de 60 anos, em uma das faixas.

O título do álbum tem duplo sentido. No primeiro, o tempo que quer voar é aquele que só agora, quando a cantora completa sete décadas de carreira, decidiu começar a correr depressa, concentrando as conquistas de toda uma vida em menos de dois anos: as validações, os prêmios, o calor de um público crescente, possibilidades internacionais etc. O segundo sentido trata de um choque de tempos: de um lado, a vertiginosa pressa dos nossos dias, em que a música tem que durar um minuto para viralizar nas redes sociais e afins; do outro, o andamento interno de Alaíde Costa, sempre suave e delicado. Em estúdio, os produtores logo perceberam que esse era um ponto sólido e inabalável, como se a artista determinasse: “O tempo agora quer voar, mas eu sou dona do meu próprio tempo”.

REPERTÓRIO

Além de respeitar o ritmo particular de Alaíde Costa, E o Tempo Agora Quer Voar também faz uso da biografia da artista para desenvolver a poética das canções. Reflexos de sua vivência tão rica surgem nas letras – em alguns casos, deliberadamente, já que Emicida ouviu da própria Alaíde algumas das histórias que transformaria depois em versos.

Um desses temas autobiográficos abre o álbum. Alaíde conta que, quando preparava seu LP Coração (1976), ela e Milton Nascimento, produtor daquele trabalho, foram à casa de Caetano Veloso atrás de uma canção inédita. Acontece que não atentaram a um dos hábitos mais conhecidos do compositor e chegaram em seu endereço logo cedo, pela manhã. Desde sempre, Caetano nunca sai da cama antes do meio da tarde. Acabaram desistindo de esperar e foram embora sem a música. Tempos depois, num encontro casual, Caetano comentou: “Alaíde, pena que eu não entrei no seu Coração”. A resposta veio rápida: “Não entrou porque não quis”. A partir dessa história, Emicida criou, junto com Alaíde, os versos que depois ganharam melodia de… Caetano Veloso. Vale notar que “Foi Só Porque Você Não Quis” usa justamente o universo poético do LP Coração para o desenvolvimento dos versos, cujo refrão diz: “Se você não entrou no meu coração/ Foi só porque você não quis”.

Letra composta por Emicida e Luz Ribeiro sobre melodia de Rubel, “Bilhetinho” também nasceu por essa via memorial. São lembranças de uma Alaíde Costa ainda adolescente, que descobria àquela altura a dinâmica do flerte, o frio na barriga, as promessas enviadas em um pedacinho de papel. Mas, se são as memórias de uma octogenária, passado e presente se misturam: “Me diz o que essas linhas são/ Se não a fuga de um viver/ Que já se confundiu com fenecer”.

A terceira canção assinada por Emicida neste álbum, “Meus Sapatos” tem menos da biografia de Alaíde Costa – embora, em alguma medida, encoste nos pés de O que Meus Calos Dizem Sobre Mim. A letra foi começada por Rashid – mais um rapper trazido para dentro do universo de Alaíde Costa – sobre melodia de Gilson Peranzzetta, colaborador da cantora desde os anos 1970, e tem como cenário a cidade que Alaíde escolheu para viver e criar os filhos a partir da década de 1960: “A solidão lá de São Paulo/ Imensidão na qual me calo/ E sonho alto sem ter sapatos de cristal”.

Foi nessa mesma São Paulo que Alaíde Costa se conectou, também nos anos 1960, com Claudette Soares, aquela que viria a ser sua melhor amiga de toda a vida. E ter Claudette cantando neste álbum foi um pedido de Alaíde desde que começamos a produzir E o Tempo Agora Quer Voar. As vozes dessas duas representantes da Bossa Nova se unem em “Suave Embarcação”, segunda parceria de Alaíde Costa com Nando Reis (antes, a dupla escreveu “Tristonho”, gravada no álbum anterior). Nando, aliás, já declarou que faz questão de ter mais uma parceria com Alaíde no terceiro volume da trilogia.

“Bem Belém” é uma composição a seis mãos, com música do jovem pernambucano Zé Manoel e letra de Leonel Pereda e Ronaldo Bastos, autor de tantos sucessos do nosso cancioneiro e um dos nomes mais atuantes no clássico Clube da Esquina (1972), álbum de que Alaíde Costa participou, sendo a única mulher na ficha técnica. A gravação de “Bem Belém” tem a participação do mestre Jota Moraes ao vibrafone.

A poeta Clara Delgado colocou letra em melodia escrita a quatro mãos por Zé Renato (do Boca Livre) e Cristóvão Bastos. Nasceu “Além de uma Palavra”, cuja temática conversa com a de “Moço”, parceria de Marisa Monte e Carlinhos Brown que Alaíde lançou como single em maio do ano passado. As duas canções estão colocadas lado a lado em E o Tempo Agora Quer Voar por esse motivo. Se a personagem de Clara Delgado lamenta um sumiço repentino e mal explicado (“Você se esqueceu das coisas/ Roupas no chão, luzes acesas/ Taças na mesa e quase nada/ De me dizer palavra”), a de Marisa Monte inverte a lógica machista de outros tempos, quando apenas o homem saía para noites inexplicáveis enquanto a mulher o esperava em casa (“Não se preocupe, eu vou demorar/ É que uma amizade veio me buscar/ Você não estava/ E eu fui brincar/ Até mais tarde”).

 Por fim, as oito faixas de E o Tempo Agora Quer Voar se completam com “Ata-me”, de Junio Barreto e Montorfano. Alaíde Costa se apaixonou por letra e melodia assim que ouviu pela primeira vez, “so precisa ser mais lenta um pouco pra ficar do meu jeito”. Esta faixa é a mais antiga do novo álbum e estava programada para entrar em O que meus Calos Dizem Sobre Mim. Mas acabou esperando para ser lançada, também como single, em setembro.

Com o intuito em manter a unidade estética nos três álbuns da trilogia (o último volume está planejado para 2026), Marcus Preto, Pupillo e Emicida optaram por recrutar o mesmo time de músicos e técnicos: Fábio Sá no contrabaixo acústico, Léo Mendes no violão de sete cordas e o próprio Pupillo na bateria. Jota Moraes participa em uma faixa. Os arranjos de sopros ficaram, de novo, a cargo do pernambucano Henrique Albino e do carioca Antonio Neves. Mixagem e masterização ficaram nas mãos de Carlos Trilha.

A foto da capa surgiu na primeira ida de Alaíde Costa a Portugal, no ano passado. Aproveitando a viagem para uma pequena leva de shows, a cantora foi ao encontro do fotógrafo carioca (que vive em Lisboa) Daryan Dornelles, um especialista em retratar figuras da música. O design ficou aos cuidados de Emicida, com assistência de Júlio Benedito. A caligrafia da própria Alaíde foi usada para, literalmente, batizar e assinar a capa do álbum.

Em muitas ocasiões nesses dois últimos anos, públicas ou particulares, Alaíde Costa lamentou o fato de seu amigo Johnny Alf (1929 – 2010) não ter tido tempo de, como está acontecendo com ela agora, ver o tempo enfim voar a seu favor. O cantor e compositor, um dos precursores da Bossa Nova, ainda não foi reconhecido à medida de seu talento e de seu legado para a música brasileira. Por essa razão, E o Tempo Agora Quer Voar é dedicado à memória dele: Johnny Alf.

FICHA TÉCNICA

E o Tempo Agora Quer Voar

Produzido por Marcus PretoPupillo e Emicida
Bateria e percussões: Pupillo
Contrabaixo acústico: Fábio Sá
Violão de sete cordas: Léo Mendes
Arranjos de sopros: Henrique Albino e Antonio Neves
Arranjo de cordas (“Moço”): Antonio Neves
Gravado por Thiago “Big” Rabello no estúdio Dá Pá Virada (SP) entre 2022 e 2024
Assistente de gravação: Victor Nery
Mixagem e masterização: Carlos Trilha

Capa:
Foto: Daryan Dornelles
Caligrafia: Alaíde Costa
Design: Emicida
Assistente de design: Júlio Benedito
Um lançamento Samba Rock Discos
Distribuição: Altafonte

Thiaggo Camilo - @thiaggocamilo

Jornalista e assessor de imprensa. Foi jurado do quadro musical do programa Mais Show com Danny Pink na Rede Vida. Colunista do Tô Na Fama!, portal parceiro de conteúdo do IG. Atualmente está a frente da sua agência de comunicação e licenciamento. Instagram e Twitter @thiaggocamilo
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