
Após lançar no streaming o antológico álbum de estreia “Moro no Brasil” (1998) remixado, remasterizado e em áudio espacial em junho de 2025, a banda Farofa Carioca e a Universal Music Brasil lançam o vinil duplo do disco, já disponível na UMusic Store. A bolacha dupla traz um LP colorido e outro em preto e branco, com design inspirado no projeto original de “Moro no Brasil” e 12 músicas, incluindo os sucessos “São Gonça” (Pretinha…), “A Carne”, “A Lei da Bala” e “Doidinha”.
“No faiscante álbum ‘Moro no Brasil’, o Farofa Carioca não economizou munição, vinhetas, citações e uma alquimia fervilhante entre o funk, samba, hip-hop, rock e até reggae”, aponta o crítico musical Tárik de Souza. Tudo azeitado pelo suingue das big bands de gafieira e do Movimento Black Rio da década de 70.
Fãs novos e antigos da banda, fundada por Seu Jorge, Bertrand Doussain e Gabriel Moura, podem agora ouvir o elogiado álbum no digital e em vinil. “O Farofa Carioca, além de marcar a época, influenciou o pop-rock brasileiro que explodiu na década de 90. O trabalho da banda é fundamental para a cena da cultura musical brasileira e carioca”, afirma Paulo Lima, presidente da Universal Music Brasil.
Nascido entre as coxias do grupo de teatro da UERJ, as ladeiras de Santa Teresa e a praia de Ipanema, o Farofa Carioca uniu subúrbio e zona sul e cruzou as fronteiras do Estado. “A gente queria fazer uma banda informal, descolada, orgânica…uma fanfarra mesmo. Vínhamos do teatro e levávamos para o palco, além da música, números circenses e teatrais”, lembra Seu Jorge. “A intenção era divertir e causar impacto. Tanto no som quanto nos shows”, completa Gabriel Moura.
A banda atuou junta por cerca de um ano, se apresentou em diversos estados e festivais, como o Free Jazz e o Abril pro Rock, e se dissolveu após a saída de Seu Jorge. Em 2004, voltou à ativa com o novo vocalista Mario Broder (ex-Funk’n’Lata) e lançou o DVD “Ao Vivo no Circo Voador” (2012). Uma nova pausa foi feita em 2013 e, em 2024, o grupo reuniu sua formação original, incluindo Seu Jorge e Mario Broder, para um inédito show no 90’s Festival, no Rio de Janeiro, marcando o re-entrosamento do grupo e o início do processo para o relançamento do álbum e a volta aos palcos, realizada no Festival João Rock (SP), em junho de 2025.
O grupo segue na ativa com Mario Broder e Gabriel Moura nos vocais. Dia 14 de dezembro, eles se apresentam na Brava Arena Jockey, no Rio de Janeiro, com a banda completa e a participação de Seu Jorge
No Lado A do Disco 1, uma porta se abre para as boas vindas da banda – “Bom dia, boa tarde, boa noite! Nós somos o Farofa Carioca (…) e trazemos pra vocês um prato cheio de alegria, poesia e diversão. É o Rio de Janeiro enchendo a barriga do povão de ritmo, alegria, poesia e brasilidade!”. E então a música “Dudivara” instala um baile com muito funk, disco e gafieira
O LP segue para um dos clássicos do disco, a faixa título “Moro no Brasil”, que fustiga: “Agora, eu tenho aqui a causa do nosso problema/ miséria e fome derrotam nossa nação/ pra completar, tem violência ao cidadão”. E, na sequência, “A Lei da Bala”: Fuzilaria de sopros ritmados, sirene de polícia, rap a mil por hora e o apartheid entre morro e asfalto.
No Lado B, o hit do repertório, “São Gonça”, um quase funk melody, segundo o autor Seu Jorge, narra um desencontro amoroso: “Morando em São Gonçalo, você sabe como é/ hoje à tarde a ponte engarrafou e eu fiquei à pé”. A suingada “Bebel” multiplica os obstáculos da cidade no caminho do romance (“Bebel, O Rio inundou/ Bebel, O Rio alagou/ Que desculpas eu vou dar quando chegar?). Enquanto “Doidinha” (“pra ter neném”) dispara um trecho de “Mulata assanhada”, de Ataulfo Alves, ao arrepio de cuíca e flauta.
O Disco 2 traz no Lado A a obra-prima “A carne”, reforçada pela voz rascante de Fagner, outro petardo certeiro na questão social do país. “A carne mais barata do mercado é a carne negra/ que vai de graça pro presídio/ e para debaixo do plástico”, diz a letra. Já o samba “Timbó”, lançado por Jamelão em 1957, traz arranjo de cordas e sax soprano de Paulo Moura e celebra um mítico feiticeiro africano criado na ilha de Marajó (PA). Crivada de sopros, a música “Jacaré” abre a bocarra contra as injustiças sócio-políticas brasileiras: “Na sua casa de praia/ caçando jacaré no pantanal/ olhaí, ô Mané!/ a sua sorte pode estar no final”.
Já o Lado B apresenta “Índio”: Com tema incidental da ópera “O Guarani” (Carlos Gomes), flauta bucólica e batidão indígena, critica a dizimação de parte do povo originário, de cinco milhões reduzidos a 250 mil viventes. “Mataram milhões na bala, no chicote, na humilhação/ (..) índio foi queimado quando dormiu”, diz a letra, referindo-se ao caso do indígena Galdino, assassinado em Brasília, em abril de 1997.
O rock grooveado “Rabisca Robson” aborda o tráfico e o drama da dependência juvenil de maneira inesperada e inclui um sample do diálogo entre Jair Rodrigues e Otacilio da Mangueira na música “O Carioca”; finalizando com “Menino da Central”, que escancara a questão do menor desamparado e abraça o menor trabalhador numa black music xoteada, com participação ilustre de Sivuca na sanfona. “Espelho vivo de uma causa social”, sublinha a composição.
O disco “Moro no Brasil” foi pioneiro em aspectos sonoros e temáticas sociais e identitárias em sua geração. Vinte e oito anos depois, a reunião do Farofa Carioca e o lançamento do álbum no digital e em vinil celebram a música e o papel transformador da arte nos jovens do Brasil. Afinal, muito bem ou muito mal, é preciso seguir agindo, porque “a inteligência é fundamental”
O Farofa Carioca é Bertrand Doussain (flauta), Carlos Moura (trombone), Gabriel Moura (voz e violão), Mário Broder (vocal), Sandrinho Carioca (percussão), Sérgio Granha (baixo), Seu Jorge (voz e guitarra), Valmir Ribeiro (cavaquinho) e Wellington Coelho (percussão). Uh Farofaê!









