Se tornou notícia em todo o mundo o vídeo em que o líder espiritual Dalai Lama, Tenzin Gyatso, beija um menino e pede para que ele chupe sua língua. O episódio aconteceu durante uma cerimônia religiosa, no norte da Índia. O vídeo, gravado em fevereiro, gerou revolta e o líder do budismo chegou pedir desculpas sobre o ocorrido para a família do garoto. Diante da situação, tem sido levantado um debate sobre as consequências para crianças que são expostas a cenas semelhantes.
De acordo com o especialista em Trauma de Desenvolvimento e Neurociência Dr. Luís Henrique de Oliveira, para uma criança, todo o tipo de afeto que um adulto, ou uma figura de autoridade percebida como um vínculo seguro, propõe é considerado como “certo”. Alguns atos, vindo de familiares, podem até ser considerados “carinho” ou “brincadeira”. Porém, na adolescência ou na vida adulta, ela percebe não ter sido algo inocente, e nesse momento surge o trauma.
“Em geral, nesse ponto, a criança tende a sentir-se culpada, principalmente porque no momento em que a exposição ao agente estressor aconteceu, a criança, que não possuía ainda limites claros e seguia as orientações propostas por seus cuidadores, percebe que o ato foi inadequado”, disse.
Nunca podemos saber exatamente como cada organismo irá compor suas experiências, e se elas serão traumáticas ou não. Isso depende da capacidade de resiliência individual, inata ou adquirida, e do quanto os cuidadores manejaram o acontecido. O que sabemos é que dessensibilizar a sexualidade de forma tão precoce, ou mesmo inibir, não é forma mais reguladora de desenvolver as estratégias de enfrentamento necessárias para a vida adulta”, completou.
O especialista pontua que, independentemente de como a experiência foi ou será processada pela criança, ela precisa saber que é inocente, e que a proteção por sua integridade é responsabilidade dos adultos. De acordo com o Dr. Luís Henrique de Oliveira, os cuidadores precisam explicar para a criança que, mesmo um líder espiritual sendo uma figura de autoridade, essas “brincadeiras” são para adultos, e não para crianças.
“Chegará o momento em que ela poderá descobrir por si mesma como deseja explorar seus afetos. Até lá, precisa lembrar que seu corpo é um ‘templo’, como as próprias religiões propõem, e deve ser cuidado e preservado como algo sagrado. O mais útil para a criança é saber ter sido uma situação inapropriada, e que ela continua preservada em sua pureza”, explicou.
Ainda de acordo com o Dr. Luís Henrique de Oliveira, é essencial expor a criança de forma enfática a brincadeiras infantis, para que não consolide a experiência como uma forma de obter afeto. Ele pontua que o carinho adequado precisa estar presente nas próximas semanas e meses, para manter estimulados os vínculos saudáveis e seguros.
“Líderes espirituais tendem a compor o imaginário popular como a representação do próprio Deus, sendo então, incabível para muitas pessoas questioná-los. Precisamos proteger nossa relação com o sagrado, que vai muito além das religiões. Devemos saber que os representantes religiosos são humanos, exatamente como nós. Nosso zelo também deve preservar a boa mensagem, que ensina princípios éticos, e desvincular de seu mensageiro, quando ele comete atos talvez impensados”, comentou.
“Momentos como esses, extremamente desafiadores, potencialmente ideológicos e, por isso, partidários, servem para lembrarmos a humanidade por trás das religiões, que são guiadas por pessoas. Porém a fragilidade humana, se respeitada, não infere juízo sobre os ensinamentos, que historicamente se mostram essenciais para a construção da sociedade”, concluiu.