Um questionamento filosófico sobre o conceito de memória a partir de uma ferida aberta no país, a ditadura civil-militar brasileira, é o que propõe o solo Memorial do Futuro Recente, com direção de Nelson Baskerville e atuação de Thiago Brianti. O espetáculo, que estreou no Teatro de Arena no dia 10 de outubro e ficou em cartaz até 25 de outubro, agora se prepara para chegar no teatro Cacilda Becker, no qual permanecerá de 21 a 24 de novembro.
O texto tem como principal inspiração, de acordo com o dramaturgo Diones Camargo, uma matéria sobre crianças sequestradas pela ditadura militar que foram obrigadas a presenciar seus pais sendo violentamente torturados pelos agentes da repressão. Tais horrores vivenciados em cativeiro causariam nelas traumas psicológicos severos, levando algumas até mesmo ao suicídio, anos depois.
“Esses relatos de horror e desumanidade que atestam a perversidade do Estado e de todos os envolvidos com a ditadura no Brasil se tornou a faísca para que eu imaginasse a trajetória fictícia desse menino desde seu nascimento – período este que coincidiria com a instauração do regime de exceção no país com o Golpe de 1964 até seu término em 1985, com a redemocratização”, explica o autor.
A peça fala justamente dessa existência marcada por abandono, perda e luto ocasionados pelos horrores de uma Ditadura Militar que perseguia, torturava e apagava qualquer traço de humanidade daqueles que insistiam em confrontá-la. Um trajeto doloroso e obscuro, iluminado apenas pelos lampejos de uma voz inconformada que, apesar de tudo, ainda insiste em se lembrar.
“Acreditamos que os culpados pelos crimes tenham de ser punidos pela lei. Mas em paralelo, acho que a cultura e a arte não podem parar de falar da ditadura, suas causas e efeitos. Trabalhar o tema artisticamente é uma das formas de abordar o problema nas consciências individuais, lembrar do que não pode ser esquecido, dar voz às vítimas e aos seus familiares e ainda tocar de maneira subjetiva, como só a arte consegue”, comenta o ator Thiago Brianti, que revela ser este o primeiro monólogo de sua carreira.
Já a encenação, antecipa Nelson Baskerville, é bem fiel à dramaturgia. “Como se trata de um memorial, estamos resgatando a história do personagem através de fotografias, vídeos e áudios originais da ditadura como, por exemplo: a implementação do AI 5. Além disso sua memória também será resgatada através dos desenhos que o personagem teria feito quando criança”, esclarece.
“O Teatro de Arena e o Teatro Oficina foram, até serem proibidos, um grande aliado da reação ao golpe de 64. Acredito que o teatro poderia formar toda uma geração consciente das violências que vivemos”, afirma o diretor.
A peça conta com o apoio do vereador Xexéu Tripoli, por meio de emenda parlamentar para a cultura na cidade de São Paulo.
Ficha Técnica
Idealização: Nelson Baskerville e Thiago Brianti
Dramaturgia: Diones Camargo
Direção: Nelson Baskerville
Diretora Assistente e Colaboração Criativa: Anna Zêpa
Atuação: Thiago Brianti
Cenário: Nelson Baskerville
Ilustrações do Cenário: Nelson Baskerville
Pintura da Lona: Eluzai Goulart – ZUZA
Aderecista Banheira: Ludoviko Bütcher
Figurino: Marichilene Artisevskis
Desenho de Luz: Felipe Tchaça
Direção Musical: Daniel Maia
Direção de Imagem e Vídeomapping: André Grynwask e Pri Argoud [Um Cafofo]
Operação de Som: Gabriel Müller
Operação de Luz: Felipe Tchaça e Paula Selva
Operação de Vídeo: Allyson Lemos
Diagramação e Filmagem: João Paulo Melo
Redes Sociais: May Nimmy
Fotos: Jennifer Glass
Direção de Produção: Iza Marie Miceli
Realização: ADAAP – Associação dos Artistas Amigos da Praça
Sinopse
No corredor das memórias esquecidas, uma criança cujos pais foram torturados, volta já adulto aos porões da ditadura. Seu corpo fora do tempo percorre o trajeto doloroso e obscuro, iluminado apenas pelos lampejos da voz inconformada que, apesar de tudo, insiste em se lembrar. Diante dos olhos fechados dos interlocutores, sua história familiar se confunde com um período sombrio da História do Brasil. Um memorial da existência marcada por abandono, perda, luto e pelos horrores de um regime de exceção.