Se houvesse a ascensão de um novo governo totalitarista análogo ao nazismo, em quem você confiaria para te esconder? Esse questionamento é um dos pontos de partida para a criação do espetáculo,
O Jogo de Anne, com direção de Heitor Goldflus, que cumpre sua temporada de estreia na Oficina Cultural Oswald de Andrade, entre os dias 1º e 17 de junho. O elenco traz Alexandre Roit, Dinah Feldman, Ernani Sanchez e Rita Pisano.
A montagem é inspirada no conto “Do que a gente fala quando fala de Anne Frank”, do autor novaiorquino Nathan Englander.
“O texto foi uma descoberta, ao acaso. Como judeu ateu que sou, assuntos de caráter judaico que questionam a religião e seu “uso” me interessam. Mas, acima de tudo, o conto é humanista, a partir do atrito entre referências judaicas laicas e ortodoxas”, revela o diretor Heitor Goldflus.
A trama se passa na confortável residência de um casal que recebe outro casal em um domingo quente de verão. Depois de morar mais de uma década em Israel, os visitantes voltam para reencontrar a amiga-anfitriã.
As duas amigas usam o passado como parâmetro para medir todas as diferenças – culturais, éticas, estéticas e religiosas – adquiridas durante o afastamento; já os maridos de ambas, que acabaram de se conhecer, precisam lidar rapidamente com essa alteridade.
E, conforme o dia avança, os casais se veem envoltos em uma espécie de jogo, no qual as cumplicidades, alianças e rancores vêm à tona, colocando em xeque as garantias fragilmente estabelecidas e revelando polarizações radicais.
A ideia da peça é convidar o público a pensar sobre a polarização de ideias para além da política e o significado das escolhas individuais em um mundo em que oposições como claro-escuro, certo-errado e moral-imoral, muitas vezes, são fatores excludentes para os relacionamentos.
“Ao mesmo tempo em que há o ressurgimento de uma direita extremista em distintos países, inclusive no Brasil, é cada dia mais violento o crescimento do antissemitismo em escala mundial.
E como paradoxal e imprevisível que é, ao buscarmos no indivíduo a resposta, a ótica necessária passa a ser outra: a confiança. E convenhamos: em certas situações, não há moral que resista às contradições humanas…”, reflete Goldflus sobre a importância de se discutir essas questões.
E, para provocar ainda mais a plateia e colocá-la no papel de cocriadora, a encenação é feita em um ambiente que pode gerar uma sensação de confinamento, quase como um bunker – em alusão ao esconderijo onde Anne Frank e sua família foram forçadas a se esconder.
“A encenação traz também a narração permanente dos acontecimentos, de algumas opiniões, informações mais e menos neutras, provocando a quebra constante de pessoalidades – do dramático ao épico -, por vezes sem este reconhecimento: quem está dizendo isso, a personagem, a narradora direta e onisciente, ou a atriz e sua opinião de voyeur?
E acho que este jogo, uma vez bem estabelecido, funciona e aproxima muito bem!”, acrescenta Goldflus sobre a montagem.
Além do conto de Englander, durante o processo criativo, o grupo pesquisou referências bem ecléticas no cinema e na literatura que tratam de costumes e temas judaicos contemporâneos, como livros de Philip Roth, Nilton Bonder e Amos Oz; a grafic novel “Maus”, de Art Spiegelman; o próprio “O Diário de Anne Frank”; os ensaios do Prof. Bernardo Sorj; e produções audiovisuais como “O Deus da Carnificina”, “Kadosh”, “One of Us”, “Humilhação”, “The Secrets”, “Shtisel” e “Nada Ortodoxa”.
O Jogo de Anne
Temporada: 1º a 17 de junho, segundas, às 15h; de quintas e sextas-feiras, às 15h e às 20h; e aos sábados e no feriado do dia 8/6, às 15h e às 18h
Oficina Cultural Oswald de Andrade – Rua Três Rios, 363, Bom Retiro
Ingressos: Grátis, distribuídos uma hora antes de cada sessão