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Sucesso de público e crítica, Rei Lear com elenco formado por drag queens, faz temporada gratuita no Teatro Alfredo Mesquita

Em uma homenagem à arte drag queen, a Cia. Extemporânea coloca nos palcos uma adaptação da tragédia Rei Lear, de William Shakespeare (1564-1616). O espetáculo, que teve ingressos esgotados no Sesc Consolação, segue agora para uma temporada gratuita no Teatro Alfredo Mesquita de 5 a 29 de setembro.

A montagem tem direção de Ines Bushatsky e traz no elenco Alexia Twister, Antonia Pethit, DaCota Monteiro, Ginger Moon, Lilith Prexeva, Maldita Hammer, Mercedez Vulcão, Thelores e Xaniqua Laquisha. O dramaturgo João Mostazo assina a adaptação do texto.

O espetáculo traz os elementos da dramaturgia shakespeariana clássica para a linguagem drag contemporânea, sem que nem uma nem outra se desfigurem no processo – isso é, sem que Shakespeare perca em poesia e tragicidade, e sem que a drag se descaracterize naquilo que ela tem de mais autêntico: a dissolução das fronteiras estéticas e o desafio aos papéis tradicionais de gênero.

Como conta a diretora Ines Bushatsky, “quem está em cena é aquilo que, ao longo do processo, chamamos de ‘a drag total’. Para além da comicidade em que já estamos habituados a vê-la, é a drag nesse registro trágico. Vamos do cômico ao trágico, do performático ao teatrão, às vezes dentro de uma mesma cena”.

Mercedez Vulcão lembra que a drag sempre esteve no teatro, mas, por razões religiosas e patriarcais, acabou sendo estigmatizada e marginalizada. “Ainda hoje, há aqueles (artistas, inclusive) que enxergam a drag como uma arte ‘menor’. Por isso a importância de colocá-la no centro de um palco como este, protagonizando uma obra de Shakespeare. Parece, mas não é uma novidade. É na verdade o resgate de espaços que há muito já nos pertenceram”.

Alguns inclusive propõem que o termo “drag” teria sido cunhado pelo próprio Shakespeare, sob a forma de uma nota de rodapé em um manuscrito, indicando que o ator deveria se vestir com roupas de mulher (em inglês, drag seria uma sigla para “dressed resembling a girl”). Na época, não era permitido que as mulheres atuassem nas peças e as personagens femininas eram interpretadas por homens. Ao longo dos séculos a arte drag se expandiu, e hoje vai muito além, englobando um pensamento moderno sobre visagismo, costura e performance para tensionar os papeis tradicionais de gênero.

Ginger Moon complementa: “embora nunca tenha saído dos palcos, infelizmente durante muito tempo a drag ficou fora do teatro mais mainstream. Isso está mudando, mas ainda é pouco perto da quantidade de drag queens, drag queers e drag kings talentosas que existem”. Para ela, ainda, o processo de criação do espetáculo foi uma oportunidade de conviver com outras artistas drag em um espaço diferente das festas e baladas. “Muitas vezes a drag é uma arte solitária. A gente acaba tendo que fazer tudo sozinha, do figurino à maquiagem e à produção, além da performance”. Nos ensaios, conta, o elenco descobriu novas formas de companheirismo e irmandade. 

“A arte drag é ampla e multifacetada, no elenco convivem perspectivas estéticas diferentes, e complementares. Não existe só uma maneira de fazer drag, as possibilidades são inúmeras. Assim, o espetáculo contribui para mostrar também a diversidade desse universo”, complementa a diretora.

A montagem

Na tragédia de Shakespeare, Lear, rei da Bretanha, está muito velho e anuncia que decidiu dividir seu reino entre suas três filhas: Goneril, Regan e Cordelia. Antes de passar a coroa, o monarca pergunta: “qual das três me ama mais?”. Quem demonstrasse maior amor pelo pai ganharia a maior porção de terras. Cordelia, a mais nova e a única que o ama genuinamente, se recusa a participar daquele jogo. Furioso, Lear decide condenar a caçula ao exílio. 

Após o banimento da irmã, Regan e Goneril começam uma luta violenta pelo poder. Traído pelas filhas, o velho rei vê seu reino à beira de uma guerra e afunda em uma espiral de loucura, arrependido por banir a única pessoa que o amou de verdade.

Com figurinos de Salomé Abdala e visagismo de Malonna e Polly, a montagem da Cia. Extemporânea imagina um mundo drag queen, onde todos os eventos e conflitos são modulados por essa estética. Nessa perspectiva, Lear é uma “mama drag” e suas filhas estão disputando o poder. 

“A peça mostra como a tragédia shakespeariana e a arte drag têm vários pontos de contato”, conta João Mostazo. “O que fomos descobrindo é que a drag tem em si toda a potência trágica, ela acessa toda a complexidade de emoções que compõe a tragédia. E, por outro lado, com as suas sacadas de linguagem, provocações e irreverência, Shakespeare é também muito mais drag do que normalmente se supõe”.

Essa intersecção está, por exemplo, no uso que o espetáculo faz de recursos como o lipsync, número de dublagem típico da cultura drag: “Quando o rei enfim se joga no abismo da loucura, ele o faz performando, como se estivesse em uma boate, dublando e dançando. A loucura é sublinhada pela perda de identidade da drag. É como se Lear se perguntasse: por que estou dublando, por que estou dançando, quem sou eu?”, complementa a diretora.

A montagem, que conta ainda com cenário de Fernando Passetti e luz de Aline Santini, desperta também uma discussão sobre o ato político de Cordelia, que, ao desafiar o pai, provoca um efeito propriamente revolucionário, desorganizando por inteiro aquela sociedade. Dessa forma, a montagem destaca a relação íntima entre ação política e compromisso ético, pois a recusa da personagem é, no fundo, uma recusa a seguir reproduzindo a mentira que sustentava aquele mundo.

Sobre a Cia. Extemporânea

Fundada em 2015, a Cia. Extemporânea tem como horizonte de pesquisa a intersecção entre comédia e violência, com foco para a produção de dramaturgia autoral e a encenação de temas de relevância política e social. Desde a sua criação a companhia vem desenvolvendo uma pesquisa consistente que já atravessou diversas abordagens e temas, levando o grupo a alcançar um lugar de cada vez maior destaque na cena paulistana atual. 

Entre 2015 e 2024 a companhia criou as peças Fauna fácil de bestas simples (2015), A demência dos touros (2017) e Roda morta: uma farsa psicótica (2018), B de Beatriz Silveira (2021), O mistério cinematográfico de Sendras Berloni (2022), Dr. Anti (2022) e A gente te liga, Laura (2024).

Sinopse

Lear, rei da Bretanha, decide dividir o reino entre as suas três filhas, Cordelia, Regan e Goneril. Porém, Cordelia se recusa a participar do ritual de passagem da coroa, e o rei, furioso, a condena ao exílio. O exílio de Cordelia põe em marcha a completa desagregação do reino. Sem coroa, traído pelas filhas e vendo seu reino à beira da guerra, Lear afunda em uma espiral de loucura.

Ficha Técnica

Direção: Ines Bushatsky

Texto adaptado e assistência de direção: João Mostazo

Elenco: Alexia Twister, Antonia Pethit, DaCota Monteiro, Ginger Moon, Lilith Prexeva, Maldita Hammer, Mercedez Vulcão, Thelores, Xaniqua Laquisha

Cenário: Fernando Passetti

Luz: Aline Santini

Figurino: Salomé Abdala

Visagismo: Malonna e Polly

Assistente de perucaria: Yuri Tedesco

Trilha sonora e operação de som: Gabriel Edé

Preparação vocal: Felipe Venâncio

Operação de luz: Pajeú Oliveira

Microfonista : Viviane Barbosa

Contrarregragem: Felipe Venâncio, Matias Ivan Arce
Costureiras: Caio Katchborian, Nana Simões, Salomé Abdala

Sapatos: Porto Free Calçados

Bordados: Alesha Bruke, Salomé Abdala

Fotos: Mariana Chama, Suka, Tetembua Dandara

Arte gráfica: Lidia Ganhito

Redes sociais: Mariana Marinho

Assistente de Produção: Gabriela Ramos

Direção de Produção: Tetembua Dandara 

Assessoria de Imprensa: Pombo Correio 

Este projeto foi contemplado pela 18ª Edição do Prêmio Zé Renato – Secretaria Municipal de Cultura

Serviço

Rei Lear, da Cia. Extemporânea

Temporada: 5 a 29 de setembro

Quinta a sábado às 21h; e domingo às 19h

Teatro Alfredo Mesquita – Av. Santos Dumont, 1770 – Santana

Ingressos: Gratuitos 

Classificação: 14 anos

Duração: 120 minutos 

Acessibilidade: teatro acessível a cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida

Thiaggo Camilo - @thiaggocamilo

Jornalista e assessor de imprensa. Foi jurado do quadro musical do programa Mais Show com Danny Pink na Rede Vida. Colunista do Tô Na Fama!, portal parceiro de conteúdo do IG. Atualmente está a frente da sua agência de comunicação e licenciamento. Instagram e Twitter @thiaggocamilo
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