Quem pensou que a arte do graffiti é uma atividade restrita e exclusivamente jovem se enganou, o projeto “Graffiti não tem idade” surgiu justamente para quebrar esse paradigma e incluir o público de 60+ no universo da cultura urbana. A ideia de fazer graffiti com a participação ativa de pessoas da terceira idade é do casal de artistas Léo Shun e Lorena Crist, e a primeira edição do projeto aconteceu recentemente no Sesc Nogueira em Petrópolis, no evento Jogos Master, em um dia repleto de atividades onde também foi feita uma homenagem a cantora Rita Lee, uma grande artista e ícone do público 60+ que participou da construção do mural grafitado.
Orientado pelos grafiteiros Léo Shun e Lorena Crist, o animado grupo de idosas esbanjou alegria e entusiasmo ao manusear a lata de spray participando ativamente da produção de um graffiti. Ao ver o nascer de um lindo e colorido mural puderam também sentir na prática que o graffiti é para todos. Na arte, foi feito em grande estilo o rosto da cantora Rita Lee ao lado de uma frase marcante e paradoxal de uma de suas canções, que diz “Enquanto o tempo vai passando, eu fico loucamente séria”. Além de um relógio ao fundo, propondo um olhar divertido e amistoso ao passar do tempo.
Graffiti e Rita Lee
Durante a entrevista perguntamos ao Léo Shun, o que o graffiti e a cantora Rita Lee tinham em comum?
“A atitude e a irreverência. O graffiti com o seu aspecto multicolorido tem um brilho especial que atrai o olhar das pessoas, da mesma forma a Rita Lee também chamava a atenção por sua irreverência, e por ter um visual marcante cheio de personalidade e vida, com seus cabelos e óculos vermelhos, que são sua marca registrada. Outro ponto em comum é que o graffiti surgiu como expressão de resistência, sendo alvo de marginalização, preconceitos e duras críticas, o que tem certa semelhança com a historia da cantora Rita Lee, pois ela emergiu no cenário da música em um momento de extremo machismo e moralismo onde a sociedade era cruel demais com as mulheres, acredito que por ela ser mulher em um universo comumente dominado por homens na época, não deve ter sido fácil, além disso, com sua riqueza intelectual e explosão de talento, ela deve ter sido muito atacada. Porém tanto o graffiti quanto a Rita Lee venceram, não recuaram diante das dificuldades, ambos superaram as afrontas e deixam um legado de ousadia e atitude na história da arte”. Diz Léo Shun
O graffiti como atividade para idosos
O graffiti, além de ser uma manifestação artística contemporânea que atrai pessoas de todas as idades, pode ser utilizado como ferramenta para a saúde física dos idosos. Durante a sua prática é possível perceber que o estímulo físico acontece, pois para grafitar é necessário movimentar-se diante da parede, por vezes se faz necessário agachar, levantar, inclinar os braços para alcançar partes mais altas, além do constante movimento com as mãos para controlar as latas de spray e das inúmeras caminhadas que se dá diante do painel ao longo da construção da arte. E geralmente tudo isso acontece de forma imperceptível, pois as pessoas ficam tão concentradas na pintura que muitas vezes nem se dão conta que indiretamente estão a movimentar todo o corpo durante o processo do fazer artístico.
De acordo com Lorena Crist, grafiteira e idealizadora do projeto, “a atividade com graffiti é tão rica que nos permite explorar diferentes áreas, sendo útil tanto para a saúde emocional dos idosos, por proporcionar o senso de utilidade, o fazer artístico, a socialização, dentre outros benefícios, quanto para a saúde física por promover de forma suave e natural a mobilidade corporal”.
No projeto Graffiti não tem idade, ao se divertir com a pintura, o grupo 60+ se exercita e coloca a mobilidade em dia, sempre respeitando as condições do grupo e sob o auxílio e orientação de artistas profissionais. Durante a realização do projeto no Sesc Nogueira, todos estavam sendo acompanhados e recebendo o suporte de Léo Shun, grafiteiro e muralista há 20 anos, e de Lorena Crist, multiartista, escritora e pedagoga, e por fim tiveram uma grande recompensa que foi ver surgir um mural multicolorido, do qual participaram da construção, e ainda se sentir ativo e participativo nisso tudo.
O casal de artistas conta que na maioria dos seus projetos busca associar a arte com a saúde, principalmente a emocional. Além do projeto “Graffiti não tem idade”, eles possuem outros projetos em que utilizam o graffiti como o Graffiti contra o narcisismo, direcionado a meninas e mulheres vítimas de violência narcísica, Graffiti pela sustentabilidade, onde trabalham a conscientização ambiental e Graffiti pela vida que aborda temas relacionados ao autocuidado.
Rita Lee e a arte do graffiti juntos contra o etarismo
Etarismo é o preconceito contra as pessoas ligado à sua idade, são as críticas, os estereótipos e os pré-julgamentos baseando-se na idade do indivíduo. Geralmente os idosos sofrem com esse tipo de discriminação, e quando isso acontece eles são vistos ou colocados como limitados, como se idoso tivesse que ficar de lado, à margem da sociedade, sem direito de sonhar, de ter uma vida ativa e cheia de possibilidades.
Atitudes radicais, ousadia e irreverência são características que fizeram parte tanto da história da cantora Rita Lee quanto da história do movimento artístico do graffiti, e dessa vez vemos nesse encontro a fusão de uma mensagem muito necessária. Esse projeto deu voz e protagonismo aos idosos, um público que merece atenção e respeito, que pode e deve experimentar a vida à sua maneira.
Por isso, entre uma série de letras icônicas criadas por Rita Lee, a frase escolhida para empoderar o grupo 60+ no mural grafitado foi: “Enquanto o tempo vai passando, eu fico loucamente séria”.
“Foi uma imensa satisfação fazer essa intervenção artística no Sesc Nogueira durante os Jogos Master. A equipe do Sesc nos recebeu com muito carinho e deu todo o suporte necessário. Era nítido o empenho de todos para proporcionar às centenas de senhoras que estavam no local um dia repleto de atividades interessantes, essas ações são muito importantes. Na nossa atividade com o graffiti, uma participante falou que não tinha idade para grafitar e respondi que graffiti não tem idade, quando ela me entregou a lata de spray, sorrindo de empolgação, falei pra ela chegar em casa e falar para o seu neto que naquele dia ela grafitou uma parede.” Diz Léo Shun.
O mural está exposto no Sesc Nogueira, em Petrópolis, como um presente reflexivo no espaço encantador da unidade, e ficará aberto para visitações até dezembro. Quem for até lá conferir de perto o mural, também poderá se deliciar visualmente com a natureza exuberante que há no local.
Para conhecer outros projetos do casal de artistas basta acompanhá-los no Instagram, @leoshun_rj, @shungraf e @lorenacristoficial, ou no Facebook, na página Léo Shun.